Indisponibilidade de Bens por ato da Fazenda Pública.

 

Indisponibilidade de Bens por ato da Fazenda Pública

A jabuticaba, ou jaboticaba, é fruto da jabuticabeira, árvore frutífera brasileira da família das mirtáceas, nativa da Mata Atlântica. Por ser nativa da Terra Tupiniquim, a expressão “jabuticaba” é comumente utilizada como metáfora para designar coisas estranhas que só acontecem no Brasil.
Em Janeiro deste ano o Congresso Brasileiro e a Presidência da República, ao promulgar a Lei nº 13.606/2018, especialmente seu artigo 25, colocaram na mesa dos contribuintes mais uma das famosas “jabuticabas”.
Diz-se jabuticaba porquanto a Lei em referência inicialmente foi concebida para instituir o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Porém, como sói ocorrer no Brasil, o Poder Legislativo inseriu nesse diploma legal matéria totalmente estranha ao sobredito Programa de Regularização Tributária Rural, a saber, a possibilidade de a Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa não paga nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos ao arresto e penhora, tornando-os indisponíveis, conforme autorizado pelo artigo 25, § 3º, II da Lei nº 13.606, de 10 de Janeiro de 2018.
Voltando os olhos para o conteúdo do dispositivo em comento, verificamos tratar-se de indubitável afronta ao direito de propriedade, pedra basilar, pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, figurando entre os direitos assegurados como Cláusula Pétrea agasalhada pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
A permissão para que a Fazenda Pública, por ato unilateral, leve a efeito a indisponibilidade de bens de devedor inscrito em dívida ativa que não foi paga, afronta inúmeras outras garantias constitucionais conferidas aos cidadãos brasileiros. Referidas garantias têm como finalidade exatamente a proteção destes contra os famigerados abusos cometidos pelo Estado.
Isso porque a indisponibilidade será ordenada pela Fazenda Pública ao arrepio da instauração do devido processo legal, em afronta ao inciso LIV do art. 5º da Constituição da República de 1988. Como corolário, ao negar o processo legal devido também nega o direito ao contraditório e ampla defesa, com todos os recursos a elas inerentes, sem abuso de poder, garantias constitucionalmente asseguradas por força do inciso LV do mesmo artigo.
E mais. Ofende ainda o direito fundamental de vedação ao tribunal de exceção e o direito do cidadão ser julgado por juiz competente, que nos remete ao conceito do juiz natural consagrado em nossa Constituição nos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º. O princípio do juiz natural decorre do processo legal devido, garantia essencial à distribuição da justiça, a qual assegura ao cidadão, mormente aos contribuintes, que a indisponibilidade de seu patrimônio deve ser precedida de provocação ao Poder Judiciário que, através de juízes, Tribunais e órgãos previstos na Constituição da República, irão conhecer e julgar a contenda de maneira imparcial.
A lei em referência, pois, concedeu à Fazenda Pública (pasmem!) atribuição que a constituição federal distribuiu ao Poder Judiciário, em flagrante ofensa a tripartição dos poderes autônomos, em mais uma estrondosa inconstitucionalidade.
Muitos contribuintes já estão sofrendo os efeitos dessa nefasta permissão inconstitucional, sendo certo que referido abuso já está sendo levado ao conhecimento do Poder Judiciário, que certamente não se mostrará claudicante em afastar mais esse abuso cometido pelo Estado contra os contribuintes brasileiros.
Ações individuais já estão sendo ajuizadas as pencas. E uma ação coletiva visando a declaração da inconstitucionalidade dessa medida já está tramitando no Supremo Tribunal Federal, a quem competirá a última palavra no assunto.
Espero que esta jabuticaba seja arrancada do pé antes que apodreça!
Fábio de Aquino Póvoas – Advogado